TRF-1 anula ação de R$ 40 milhões contra Ratinho
Por Marcela Villar — De São Paulo
Mary Elbe Queiroz: “Carf violou o devido processo legal e a ampla defesa”
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) anulou um débito de R$ 40 milhões inscrito em dívida ativa da União contra o apresentador e ex-deputado federal Ratinho. A 8ª Turma, por unanimidade, não só cancelou o débito, como determinou o retorno do processo administrativo ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) após quase dez anos.
Para os desembargadores, houve omissão do Carf, que desrespeitou o devido processo legal ao deixar de analisar um recurso do contribuinte. No auto de infração, lavrado em 2004, a Receita Federal indica supostas omissões de rendimentos de Carlos Roberto Massa no Imposto de Renda (IRPF) referente aos salários recebidos pelo SBT entre os anos de 2000 e 2003.
Segundo advogados, é raro esse tipo de situação acontecer. A ilegalidade processual do Carf ocorreu porque não foram analisados os segundos embargos de declaração contra um acórdão da 4ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, de agosto de 2006. O tribunal administrativo emitiu um despacho, dizendo que não caberia mais à parte recorrer da decisão de mérito. E não foi possível um recurso para a Câmara Superior, pois havia decorrido o prazo.
Por conta disso, o débito foi inscrito na dívida ativa e estava sendo executado no Paraná, mas o apresentador de TV foi ao Judiciário buscar a anulação. A sentença rejeitou o pedido, concluindo pela regularidade do processo no Carf, uma vez que não existia previsão regimental para o reexame dos embargos.
Na 2ª instância, porém, a decisão foi revertida. Para o relator, o desembargador Novély Vilanova da Silva Reis, “houve violação do devido processo legal na instância administrativa, impedindo submeter sua impugnação do lançamento ao órgão superior” (processo nº 0029775-02.2008.4.01.3400).
Reis declarou nulo o despacho do Carf que “rejeitou” os segundos embargos. No recurso, Ratinho pedia para ser aplicada de forma retroativa ao caso o artigo 129 da Lei 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem. O dispositivo prevê que para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços artísticos se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas.
O Fisco alegou que como os fatos do processo ocorreram antes de 2005, a previsão legal não poderia ser aplicada. O contribuinte argumentou que sim, por conta do artigo 106 do Código Tributário Nacional (CTN), conhecido como o princípio da “retroatividade benigna”. Ele permite se aplicar uma legislação a um fato ocorrido no passado “quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.
Para o relator, o acórdão do Carf foi omisso e não analisou esse argumento sobre a retroatividade. “Omisso o acórdão acerca do ponto alegado pelo autor, o presidente do órgão colegiado não podia ‘rejeitar’ os embargos declaratórios, sob o fundamento de que ‘não teria sentido algum ficar discutindo o inciso II do artigo 106 do CTN’”, afirma Reis.
A tributarista Mary Elbe Queiroz, sócia do Queiroz Advogados Associados, que defendeu Ratinho no processo judicial, diz que a decisão do TRF-1 corrige uma injustiça. “A não análise dos segundos embargos violou o devido processo legal e o direito à ampla defesa. Foi corrigido esse cerceamento”, diz. Ela explica que o Carf poderia até ter negado o segundo recurso, mas não poderia ter feito isso por um despacho. “O julgador poderia até não acolher, mas não poderia deixar de analisar”, adiciona.
Agora, a execução deixa de existir e a ação voltará ao Carf, para o julgamento do recurso. O desfecho deve ser positivo para o contribuinte, pois a jurisprudência hoje sobre a cobrança aplicada à Ratinho é favorável. Em um processo do Supremo Tribunal Federal (STF) relatado pela ministra Cármen Lúcia, foi decidido que é cabível o artigo 129 do CTN aos artistas (ADC 66), além de outras decisões que permitem a “pejotização”.
Segundo Caio Quintella, ex-conselheiro do Carf e sócio da Nader Quintella Advogados, a Lei do Bem veio inclusive com essa intenção, de dar segurança aos contribuintes, podendo ser aplicada a casos pretéritos. “Ela veio para resolver o passado, presente e enterrar o futuro”, diz. “Não deveria nem mais ter discussão sobre isso”, acrescenta.
Quintella lembra de situações semelhantes a de Ratinho, mas não com uma negativa de recurso vinda por despacho. Ele exemplifica com um caso da Copagaz, em que foi conhecido um recurso da Fazenda por voto de qualidade, que é o desempate do placar a favor do Fisco, e a Justiça entendeu que o desempate deveria ter sido considerado a favor do contribuinte (processo nº 19515.722444/2013-51). “Negativas obtidas no Carf são levadas ao Judiciário e o Judiciário entende que realmente o Carf não agiu dentro da norma processual administrativa federal e, às vezes, dentro do próprio regimento”, afirma o tributarista.
Na visão de Quintella, nesse tipo de decisão, ao mesmo tempo que a Justiça estaria “sequestrando a autonomia” do Carf, “acaba sendo uma salvaguarda para os contribuintes”. “Hoje em dia, para fins processuais, o Judiciário tem feito o papel de guardião da ampla defesa e do contraditório no processo administrativo tributário”, afirma. Ele vê como positiva a determinação do tribunal de retorno dos autos ao Carf, para que ele próprio dê uma resolução.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disse que se manifestará no processo “ dentro do prazo para recurso”.